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Urinando com Jim Morrison
Pablo Capistrano



O cinema é extraordinário. Se você não se vacina contra ele, pode escrever, vai ser arrebatado e domado por sua força. O que o cinema tem de fascinante tem também de perigoso. Essa capacidade extraordinária de dissolver as fronteiras e engolir o real.
Vez ou outra me pego reclamando da vida e digo a mim mesmo: o que falta nesta bosta é a trilha sonora. Coisas de quem cresceu assistindo filmes. Quando se tem dezesseis anos, aí a situação complica. Lembro que no ano da graça de 1991 esperei como um viciado em crise de abstinência a estréia do filme The Doors, de Oliver Stone. Falava sobre um de meus ídolos de adolescência. Jim Morrison era filho de um militar da Flórida que foi estudar cinema na UCLA, tomou uns dois ácidos e ficou pirado. Resolveu formar uma banda de rock com uns colegas da faculdade, virou símbolo sexual, e entrou para a mitologia do rock por morrer de forma estúpida, gordo e decadente após uma overdose de heroína numa banheira de um hotel em Paris.
O nome da banda (Doors) vem de um livro de Huxley, As portas da percepção, e de um verso de Willian Blake (quando as portas da percepção estiverem abertas, o homem verá o mundo tal qual é: infinito). Lembro de ter assistido o filme numa noite de sexta feira, no finado cine Rio Verde no centro de Natal. Foi como se o Oliver Stone tivesse dito para mim: veja que vida cocô você tem! Sair do cinema querendo fugir de Natal a toda velocidade. Queria romper as fronteiras, as portas, os portões, abrir todas as janelas, me lançar selvagemente no mundo e, com um pouco de sorte, morrer jovem de um modo mitológico. Também senti vontade de escrever poesia. Na verdade a única coisa que eu consegui naquela noite foi ficar sem dormir, lamentando o fato de ter nascido numa província no fiofó do planeta, distante dos locais nos quais a vida e a história produziam seus desdobramentos. A adolescência passou, o tédio morreu no relógio de ponto da vida adulta e a ansiedade pela abertura das portas da percepção também escorreu junto com a mulditão de livros de filosofia que eu andei lendo. Mas ficou a imagem de Morrison, rei lagarto, xamã, metido numa calça preta dançando em êxtase para o delírio da tribo.
Dias desses, entrei numa livraria e comprei Matem-me por favor: a história sem censura do Punk, volumes I e II. Escrito por Gillian McCain e Legs McNell, o livro é uma coletânea de depoimentos das personalidades da música dos anos sessenta e setenta. Gente como Lou Reed, Iggy Pop e Joey Ramone. No meio do livro li um depoimento de Ronnie Cutrone, pintor, ex-assistente de estúdio de Andy Warhol. Ele dizia o seguinte sobre Morrison: “Eu amava Jim Morrison ternamente, mas não era divertido sair com Jim. Andei com eles todas as noites por quase um ano, e Jim saía, se encostava num bar, pedia oito vodcas com suco de laranja, tomava dois Tuinals, então tinha que mijar, mas não podia deixar os outros drinques, então tirava o pênis para fora e mijava, e aparecia alguma garota para fazer sexo oral com ele, e então ele terminava as outras cinco vodcas com suco de laranja e matava outros quatro Tuinals, e então mijava nas calças”. Depois que li isso cheguei mesmo a odiar Oliver Stone. Sentindo-me um idiota por ter confundido de modo tão miseravelmente ingênuo o cinema com a realidade. Mas depois até que pensei melhor e relevei a mágoa, afinal, esse é o jogo da arte: pintar a vida com cores que, na maioria das vezes, ela não tem. Além do que, como dizia o bom e velho Blake, nunca é bom se esquecer que, nas situações de risco, a raposa culpa sempre a armadilha e jamais a si mesma.

Pablo Capistrano é escritor e professor de filosofia.
pcapistrano@hotmail.com

Foto: Jim Morrisson Portrait - www.sternwelten.at

Jim MOrrisson é icone de uma geração que (ainda existe?) tinha a transgressao no sangue - no bom sentido. Nós que a ela pertencemos, incrivel como nos faz faz bem lembra-la. Ótimas as suas lembranças. Valeu.

A lenda sugere que ele está vivo pelas ruas da capital francesa e que a sua morte foi uma farsa.

O amor livre era punk. Hoje ser punk é viver.

O blog aos poucos vai se notabilizando por estética cinematográfica.

A título de informação sobre de onde veio o nome "The Doors".O nome (Portas) foi uma idéia de Jim e foi inspirado em uma citação de William Blake, "Se as portas da percepção forem abertas as coisas irão surgir como realmente são, infinitas". Jim costumava ainda dizer que "Entre as coisas conhecidas e as coisas desconhecidas existem as portas".

Atenção
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Beijos

Boa lembrança. E se alguém tem interesse no histórico da banda vá ao site
http://www.dyingdays.net/The_Doors/index.html

Os Doors me ajudaram a nutrir um gosto pela arte e reflexao. Durante a adolescencia, Morrison eh interessante para provocar atitudes e trangressoes. Mas realmente, todo doidao mitico eh de insuportavel convivencia. Bom post. Abracos.

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