24 dezembro, 2006

23 dezembro, 2006

BONECA VERMELHA



Por Carol Montone


Todos nós temos ao menos um anjo ao redor, cujo brilho é tão forte que nos faz menos cegos. Temos muitos em verdade, mas somos feitos de olhos apressados para enxergar certos milagres. Curiosa que sou, notei logo as asas escondidas na roupa do meu avô, que infelizmente viajou para um mundo desconhecido, aonde não permitem visitas. Fiquei de sobreaviso desde então e pude notar que era rodeada de outros seres encantados. Com um pouco de dor aprendi que a gente nunca saberá quando eles chegarão tampouco quando seguirão viagem, daí a urgência de aproveitar essas companhias como se fossem as últimas bençãos vividas. A vida pode sim tirá-las de você por motivos nobres ou não, mas ninguém tirará o amor vivido. Nesses dias “ pé-natalinos” , tive pensando que essa parece ser a única razão realmente cabível para o mundo todo mobilizar-se em torno do dia 25 de dezembro. É piegas mas é um simples...Natal foi inventado para amarmos uns aos outros e dar graças pelos anjos que compartilham suas asas conosco. Claro que não seria necessário estipular data para tanto, mas nós humanóides somos muito “organizados”.

Essa semana um anjo chamado Joana Aparecida Salim, de olhos amendoados, mãos calejadas e uma abnegação gigante em relação aos prazeres da vida me deixou sem palavras natalinamente suficientes. Essa anja tem meio metro de altura e um problema neurológico que a traz muitas limitações. Munida destas, ela trabalha há quarenta anos - sem férias ou salário - na casa de uma família “cuidadora”, que ao mesmo tempo é sua única salvação e sua cruel algoz. Todos a amam, entre outras coisas talvez por conta daquele sorrisinho maroto e as vezes inconveniente, que escapa da boca pequenina enquanto suas mãos ágeis carpem jardins, lavam roupas, cuidam de bebês ou qualquer outra coisa útil para qualquer um. Eu queria presenteá-la não apenas por amor, mas por uma certa pena e era eu a coitada quem ganhou o seguinte e inestimável presente: entendi que esse ser tem paz de espírito e por isso se realiza naquilo que é e faz. Ela que quase nada tem além de muito trabalho e dificuldades de saúde me disse “eu não estou precisando de nada, use seu dinheiro para comprar algo para alguma criança, mas se você quiser mesmo me dar algo pode ser uma boneca vermelha”...me disse. Foi emocionante ver ali na minha frente um anjo em carne e osso, que encara a vida com a força silenciosa de um lenhador e guarda no coração a menina que nasceu para ninar eternamente sua boneca vermelha.

Apesar de toda a maratona consumista, das misérias e de todo o sofrimento que também enfeita o Natal das diferenças sociais de da pobreza de espírito (como bem lembrou minha nova amiga e “sensível” escritora colaboradora deste site, a Euza) , apesar dos nossos pobres anjos caídos, travestidos em meninos de rua “gente que é para brilhar e não para morrer de fome”, principalmente com tanto peru de Natal indo para o lixo por aí, mas apesar , apesar e apesar....Natal é uma época de milagres talvez porque muita gente, num repente, tenta conectar-se com a divindade do verbo amar. Não sou religiosa, mas creio que quem conta um conto aumenta um ponto e como jornalista aprendi que essa tal de objetividade factual é balela ou quase, portanto não acho que estamos todos aqui reúnidos para especular se Jesus casou ou não com Maria Madalena e nem nada similar. Também nunca consigo me atentar para datas e não tenho certeza se houve um nascimento , uma morte e uma ressurreição na ordem e jeitos que nos contaram, mas qualquer um sabe que tudo é milagre nessa vida. Jesus e todos os deuses, um dia nascendo, uma criança sorrindo, um casal dançando, eu você e um pé de alface, que como dizia meu vô era a obra de arte mais generosa da terra...”imagina quantas folhas tem um pé e quantas pessoas podem comer juntas ....”, ele dizia lembrando também da beleza das cebolas e outros milagres da natureza.
As bonecas vermelhas e a força para seguir em frente a despeito dos infortúnios pode vir de Papai Noel, não do bom velhinho de roupas de cetim, que não dá conta de chegar em quantas ???? casas, mas no papai noel que todos nós podemos encontrar disfarçado num abraço, sorriso ou num olhar de bem querer. Desejo que todos aqueles que sofrem na noite feliz possam pensar no papai noel como um símbolo de esperança de barbas brancas e essa não está à venda....está dentro de cada um.

Um grande beijo à todos e claro um Feliz Natal

18 dezembro, 2006

Javé, Jesus e Alá




Pablo Capistrano
www.pablocapistrano.com.br

A idéia mais comum e recorrente que temos sobre a natureza das três grandes religiões monoteístas é de que todas elas, cada uma a sua maneira, cultua de um modo distinto um mesmo Deus. Esse parece ser um ponto tão consensual que pouca gente pensa: “se cultuam um mesmo Deus, qual o motivo dessas disputas sangrentas no decorrer de tantos séculos envolvendo cristãos, judeus e mulçumanos?”.
Essa é uma questão inquietante e, na maioria dos casos, quem pensa nela se depara com uma estranha sensação de absurdo. Há uma explicação político social que pode ser aplicada ao problema e que levanta a hipótese de que o cerne dos conflitos que se estabeleceram no decorrer dos séculos entre esses três ramos da árvore de Abraão não é de cunho teológico, mas eminentemente político e econômico. Neste sentido, teriamos um mesmo Deus para interesses completamente distintos. Rotas comerciais, domínio estratégico do mediterrâneo, controle dos poços de petróleo e das nascentes de água do Jordão. Indícios muito mais mundanos de um conflito que passa longe de qualquer dogma religioso. Essa explicação, no entanto, tem um risco. Primeiro, ela contorna o problema e não explica realmente como um mesmo Deus pode instigar tanta discórdia; depois, ela, sutilmente, desmerece a força dos dogmas religiosos na construção da psicologia dos povos.
Pode ser realmente correto imaginar que o motivo fundamental do ódio contra os judeus no meio da comunidade cristã tenha se espalhado no final da idade média, motivado pela expressão de um conflito envolvendo a atividade mercantil e financeira da classe burguesa ascendente e os interesses da aristocracia feudal européia. Mas uma visão dessa natureza não é suficiente para explicar a violência da guerra da reconquista espanhola, nem explicar o massacre de Lisboa no começo do século XVI que forçou a passagem de muitas famílias sefaraditas para o nordeste brasileiro. O ódio que jogou cristãos contra judeus no fim da idade média e que produziu a Inquisição Ibérica, deve muito ao evangelho de João e sua interpretação anti-semita da morte de Jesus assim como ao ressentimento das interpretações escolásticas terem reduzido a Torah a um apêndice do Novo Testamento. Não há como negar que, se o aspecto teológico não é suficiente para explicar todos esses conflitos ele é, ao menos, necessário.
Da mesma maneira, que não há como explicar o conflito árabe-isrraelense (por si só essa expressão já denota um certo conteúdo ideológico, tendo em vista que, do mesmo modo que existem judeus árabes, existem mulçumanos que não são de modo algum árabes) apelando apenas para justificativas econômicas e geo-políticas, posto que algumas das raízes desse conflito residem em interpretações teológicas específicas do significado das escrituras sagradas, que se entranham no imaginário popular e no corpo doutrinário de setores ortodoxos dessas religiões, muitas vezes, dificultando o diálogo.
Uma interpretação pouco ecumênica é a defendida por Harold Bloom no livro “Jesus e Javé”. Como Bloom não é Teólogo, mas crítico literário, e procura enxergar as escrituras sob a ótica de seu texto e das implicações semânticas do que está escrito nele, enxerga de um modo não muito ortodoxo a questão do monoteísmo que surge a partir de Abraão. Para Bloom está claro: Javé, o Deus cristão (Pai-Filho-Espirito-Santo) e Alá não são o mesmo Deus. A dificuldade de estabelecer uma conexão dogmática entre essas três grandes tradições reside justamente no fato de que elas não falam a mesma língua teológica e as influências culturais na composição das doutrinas religiosas são tão diversas que acabam por construir interpretações completamente diferentes acerca da face deste suposto mesmo Deus único. A idéia da unicidade de Deus, que eclodiu no Egito num primeiro momento e depois foi arquitetada pelo povo de Israel, não parece ter conseguido resolver um dos maiores problemas humanos: a incapacidade que temos de lidar com as diferenças.
Pablo Capistrano é escritor e professor de Filosofia. Escreve às segundas no Miolo de Pote.

16 dezembro, 2006

PEDESTAL




















imagem A.Brito www.olhares.com.br

Teu silêncio fere os instantes
Não há palavra que caiba em tua boca moldada e vazia
Nesse tempo, pairo apavorada no teu medo
Fujo daqueles certos olhos de leão do mato
Daquele não sei bem o quê, que mesmo sem saber me tinha

Sempre pudeste me mastigar sem palavra, nem pecado
Mas preferias me olhar dançando no jardim
Até que curioso lambeste um choro meu e distraidamente viciou-te em atar-me na tua crueza

Não me permito ser presa incomodada da tua impassividade
E qual insano precisaria fugir de uma estátua?
Já não anseio o combate final da criatura de torpe armadura

Tua dureza de cobre
Estampa minha inutilidade
Diante de tal monumento
Erguido por minhas mãos aleijadas de amor
Apenas para talvez continuar me atormentando

Por Carol Montone

Meus queridos, estes versinhos tortos e caóticos são tudo o que essa menina torta e caótica pode lhes oferecer em meio a uma semana muito corrida e diante de uma solidão de pedra. Beijos à todos