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Saudades do amor - por Pablo Capistrano

Sempre desconfiei de Romeu. Acho que ele nunca amou Julieta de verdade. Romeu amava a morte, porque tem um certo tipo de amor, um certo tipo de paixão que é para a morte. Aliás, poucas vezes no ocidente a morte ganhou contornos tão nítidos como nas peças de Shakespeare. Poucas vezes a profundidade psicológica da morte foi estetizada de um modo tão convincente. Mas o amor que é para a morte (como o de Romeu) também é um resto, uma sobra moderna de uma experiência religiosa. Da pulsão de adoração de uma grande deusa perdida, oculta pelos véus do monoteísmo judaico e retirada do seu casulo inconsciente quando Freud tentou dar sua versão shakespereana de Édipo.
Mas nós empobrecemos o amor. Reduzimos sua abrangência criando uma super palavra (amor, love, Liebe). Super palavras são assim. Elas misturam coisas diferentes e confundem mais do que esclarecem. Os gregos tinham várias palavras para o amor e por trás de cada palavra eles apontavam para um amor diferente. Havia o amor doença (pathos) que matou Romeu e Werther; o amor divino (ágape) que cegou Paulo de Tarso; o amor pulsão de vida (Eros) que fez você que me lê, nascer; o amor afinidade (philos) que unia amigos em torno de um bom vinho nos simpósios filosóficos da antiguidade. Uma super palavra como “amor” confunde tanto quanto causa dor, mistura o que deveria estar separado e separa, muitas vezes, o que deveria estar unido. Sem saber qual o amor que se ama, sem sentir o amor que se quer sentir, muita gente oscila numa linha que separa a solidão e o êxtase. Filhos perdidos de um mundo arruinado por imagens intangíveis, os órfãos do amor caminham pela terra. Tecendo suas tapeçarias particulares de desejos, morrendo e renascendo a cada dia. Olhando toda manhã em busca da porta que possa nos levar de volta para casa.
Rigorosamente planejado para afogar os sonhos humanos, o mundo tem ritmos estranhíssimos. Nos arrebata e nos lança de volta à planície dos desejos. Nos oferece as chaves e, às vezes, por pura falta de sentido, muda a fechadura.
A glória de Romeu foi ter encontrado uma Julieta que topasse morrer com ele, porque o amor que ele amava não era um amor para a vida. Se suas famílias tivessem chegado a um acordo moderno de vontades, se tivessem aceitado a visão contratual do casamento nesse mundo de mercado liberal; se tivessem ajeitado as arestas de seus embates comerciais e resolvido a disputa que separava seus filhos, ainda sim, haveria uma tragédia. Romeu morreria de saudades do amor. Seria possuído por um fogo furioso e ressentido e terminaria numa vara de família, discutindo com Julieta a percentagem da pensão que deveria pagar para cada um dos filhos.
O mundo está cheio de Romeus. Cultores da fé da velha deusa. Devotos da religião do amor que é doença, euforia e arrebatamento. Às vezes eles se tornam grandes poetas, às vezes homens secos de olhos foscos. De vez em quando eles se transformam junto com o amor, mas, às vezes eles também afundam com o seu peso. Porque Ginsberg já mostrou quase tão bem quanto Shakespeare que o peso do mundo é o amor. “Nenhum descanso sem amor/ nenhum sono sem sonhos de amor/ quer esteja eu louco ou frio/ obcecado por anjos ou por máquinas/ o último desejo é o amor”.


Pablo Capistrano é escritor e professor de filosofia. Capistrano assinará a partir de hoje no Miolo de Pote a coluna da segunda-feira.

Imagem: Amor e Psyche

Apreciei enormemente sua abordagem do tema do amor. Na verdade, não é bem esse o tema, mas a confusa idéia que se tem do conceito Amor, já que a palavra Amor encaixa várias acepções, donde talvez se precise adjetivar o nome: amor erótico, amor platônico, etc...
Sempre observo que, debaixo dessa "super palavra", como tão apropriadamente você designa Amor, tudo se perdoa, tudo se permite, tudo se desculpa, tudo se promete...E, em verdade,até processos doentios se inserem sob o signo da poderosa palavra!
Vejo Romeu como um exemplo disso, assim como já vi vários heróis e heroínas de filmes e romances, vítimas dessa "entidade amorosa", que já nem sei como nomear...rs
Seu texto é claro e quase didático. E eu teria muitas palavras ainda para ele.Mas, não ouso tanto.
Um grande abraço.
Dora Vilela.

Pablo, ótima cronica sobre o amor. Abs. para vc e para minha amiga Euza,

Os blogueiros estão tomando tamanha importância que as redações de de jornais, rádios e tvs já não contratam pauteiros. Os redatores buscam temas em discussão e produzem textos e notícias mais aprodundados. Por isso reputo de grande importância a atuação de nos blogueiros na formação da opinião. Obrigado a vcs pelas visitas e pelos comentários. Abs. Jarbas

Muito bem colocado o amor por vc, tbem tenho saudade do amor, daquele amor fraterno, do amor ao próximo, amor incondicional. Hoje nosso dia-a-dia é muito corrido, mal falamos bom dia à família, ao vizinho. Criamos nossos filhos, sem nos darmos conta que não estamos ensiando-os a amar. Todos querem um amor, ser amado, mas poucos sabem dar amor. Amar não é sair por aí dizendo Eu Te Amo. Há tantas confusões de sentimentos, talvez Romeu não sabia se era amor ou paixão.
Beijos
Sônia

Fiquei aqui pensando sobre os tais tipos de amor, sobre o amor de Romeu... Me ocorre que há no Amar tanta diversidade quanto no Amor. Amamos carregando os estigmas dos nossos complexos e do leme do Inconsciente.
Tão bom quanto incomum este texto na blogosfera.
É um prazer lhe conhecer Pablo.

Gostei demais da abordagem dada por você a essa "Super palavra" que geralmente acaba sendo tão banalizada.

Olá professor.Gostando demais dos cronistas daqui.Agora mais um para me fazer pensar.Muito bom. Eis um tema complexo:amar.cronica muito esclarecedora,comentarios ricos de opinião.Eu apenas aprendendo...Dizem que amar a gente só aprende amando. reconhecer qual é o nosso tipo de amor,eis a grande viagem.Abraço.

"Não facilites com a palavra amor/na verdade não a pronuncie...."É mesmo uma mistura de sentimentos, de sensações, de acertos, de erros...mas como defini-lo - o(s) verdadeiro(s)? Melhor não facilitar....
Belo texto! Grande abraço!

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