Vantagens Literárias - por Dora Vilela
Às vezes, fico pensando como é difícil para um escritor de país subdesenvolvido e sem longo passado encontrar coragem para escrever sobre sua terra. Digo escrever de uma forma literária e artística. Ou então querer competir com escritores de países tão antigos como os da Europa, com aquele acervo cultural por trás dos ombros.
Para um medíocre escritor francês, ao redigir suas memórias, por exemplo, basta evocar a infância nos becos de Paris, e já o relato se torna interessantíssimo e fascinante. Alguém que o lê, põe-se logo a imaginá-lo um cidadão do mundo, uma pessoa letrada, alimentada desde bebê pela civilização francesa, versejando desde os tenros anos, ou orando à Notre-Dame antes de dormir.
É ainda agradável seguir os passos de qualquer inglês, nascido em Londres, contando, mesmo em péssima literatura, seus momentos de juventude nos “pubs”, em meio ao “fog”londrino, sendo despertado pelo toque do Big Ben, na manhã seguinte.
A narrativa reporta o leitor a símbolos tão prenhes de significado próprio, que só o fato de serem mencionados já torna a leitura atraente.
As pessoas se deleitam, repentinamente, com estes escritores, intuindo, de certa maneira, que, se eles não disserem nada de tão profundo ou original, pelo menos têm em comum a terra natal de pensadores geniais que atravessaram os ecos dos séculos.
A um autor romano, também é o bastante falar de suas lembranças de “bambino”, distraidamente brincando perto do Coliseu, para se ficar embasbacado diante de alguém que respira, desde o nascimento, o cheiro de monumentos de 2 000 anos de idade.
Já o pobre escriba, cidadão de país de recente vida, terá a árdua tarefa de torná-lo conhecido, escrevendo com extrema originalidade, destreza e arte. Tocar-lhe-á a missão de fazer com que um dia, por exemplo, a simples menção da Praia de Ipanema sugira ao mundo as mesmas fantasias que tal nome acende no coração de um carioca da gema.
Mas, especulações à parte, não deixa de ser verdadeiro que tais escritores estrangeiros, mesmo se aproximando de uma parva mediocridade, contarão sempre com a vantagem de despertar o interesse de leitores de outros países que terão, no mínimo, ouvido falar dos venerandos tesouros europeus.
Não chegam a ser um exagero estas afirmações, porque comigo mesma já aconteceu de ler o livro todo, de um autor francês, obcecada pelas citações de recantos do país, comprazendo-me em um texto de conteúdo banal e fútil.
Meu suspense ficou por conta dos locais, carregados de significados para mim, esperando emergirem dali os pensamentos profundos do autor, os quais, infelizmente, até o final, não vieram à tona. Porém, o que quero dizer, é que fiquei presa nessa espera, o que não me ocorreria no caso de ler um escritor medíocre, talvez do meu próprio país.
Poderão até me contestar esta tese, que me veio à mente, justamente por ocasião da leitura do tal livro francês. Ela merecerá talvez o riso de quem a levar a sério.
Contudo, digam-me: quem já conheceu de perto e sentiu a estranha magia da beira de um rio Sena ou dos becos de Paris, não estremece só em ver uma fotografia com estas cenas?
É a demonstração da minha tese. Se não fui, porém, devidamente clara na minha teimosa exposição, não há problema algum.
Porque bom mesmo é ler os grandes escritores, de qualquer país, de preferência a gente recostada em uma rede, presa às arvores de nosso solo.
Dora Vilela - Professora de língua portuguesa e francesa – São Paulo
Para um medíocre escritor francês, ao redigir suas memórias, por exemplo, basta evocar a infância nos becos de Paris, e já o relato se torna interessantíssimo e fascinante. Alguém que o lê, põe-se logo a imaginá-lo um cidadão do mundo, uma pessoa letrada, alimentada desde bebê pela civilização francesa, versejando desde os tenros anos, ou orando à Notre-Dame antes de dormir.
É ainda agradável seguir os passos de qualquer inglês, nascido em Londres, contando, mesmo em péssima literatura, seus momentos de juventude nos “pubs”, em meio ao “fog”londrino, sendo despertado pelo toque do Big Ben, na manhã seguinte.
A narrativa reporta o leitor a símbolos tão prenhes de significado próprio, que só o fato de serem mencionados já torna a leitura atraente.
As pessoas se deleitam, repentinamente, com estes escritores, intuindo, de certa maneira, que, se eles não disserem nada de tão profundo ou original, pelo menos têm em comum a terra natal de pensadores geniais que atravessaram os ecos dos séculos.
A um autor romano, também é o bastante falar de suas lembranças de “bambino”, distraidamente brincando perto do Coliseu, para se ficar embasbacado diante de alguém que respira, desde o nascimento, o cheiro de monumentos de 2 000 anos de idade.
Já o pobre escriba, cidadão de país de recente vida, terá a árdua tarefa de torná-lo conhecido, escrevendo com extrema originalidade, destreza e arte. Tocar-lhe-á a missão de fazer com que um dia, por exemplo, a simples menção da Praia de Ipanema sugira ao mundo as mesmas fantasias que tal nome acende no coração de um carioca da gema.
Mas, especulações à parte, não deixa de ser verdadeiro que tais escritores estrangeiros, mesmo se aproximando de uma parva mediocridade, contarão sempre com a vantagem de despertar o interesse de leitores de outros países que terão, no mínimo, ouvido falar dos venerandos tesouros europeus.
Não chegam a ser um exagero estas afirmações, porque comigo mesma já aconteceu de ler o livro todo, de um autor francês, obcecada pelas citações de recantos do país, comprazendo-me em um texto de conteúdo banal e fútil.
Meu suspense ficou por conta dos locais, carregados de significados para mim, esperando emergirem dali os pensamentos profundos do autor, os quais, infelizmente, até o final, não vieram à tona. Porém, o que quero dizer, é que fiquei presa nessa espera, o que não me ocorreria no caso de ler um escritor medíocre, talvez do meu próprio país.
Poderão até me contestar esta tese, que me veio à mente, justamente por ocasião da leitura do tal livro francês. Ela merecerá talvez o riso de quem a levar a sério.
Contudo, digam-me: quem já conheceu de perto e sentiu a estranha magia da beira de um rio Sena ou dos becos de Paris, não estremece só em ver uma fotografia com estas cenas?
É a demonstração da minha tese. Se não fui, porém, devidamente clara na minha teimosa exposição, não há problema algum.
Porque bom mesmo é ler os grandes escritores, de qualquer país, de preferência a gente recostada em uma rede, presa às arvores de nosso solo.
Dora Vilela - Professora de língua portuguesa e francesa – São Paulo
Imagem: www.poesialusa.blogs.sapo.pt
Há em todo o comentário uma amrga ironia que transparece e nos impressiona deveras! O escritor da "periferia" está sempre em desvantagem! Tem razão! Mas... cá na Europa também há "periferias", até no próprio Portugal! Os "bonzos" estão em lisboa e dão "cartas"... o "resto é paisagem"! Faça o favor de ler todo o meu blog e diga-me se não tenho razão?! De facto, nós, os "periféricos" adentro desta "periferia" que é Portugal somos votados a um quase-ostracismo, uma marginalidade injusta e forçada!!!
Também eu sei do que fala! E comungo plenamemnte das suas ideias, neste domínio!
E VIVA A LUSOFONIA!!!
UM GRANDE ABRAÇO DE PORTUGAL!!!
Posted by José Leite | 10/8/06 10:23
E acabei de ler seu comentário no Chega mais sobre o texto “Pornografia Infantil”.
Sobre o tema, como leu lá, é o terceiro movimento de dólares no planeta, atrás do mercado de armas de guerra e narcotráfico. A impotência que nos acomete frente ao drama das meninas subjugadas, sim, porque “escravas brancas”, é a mesma que nos aflige no desejo que temos de verem lidas nossas idéias por um público distinto e pagador, se bem que o estreante, mais está atrás de seu nome na capa de um livro do que os lucros que possa ter, se bem que não os desdenhará.
O que temos que reconhecer é que “neste país” não há fome pelo saber como alguns povos americanos e europeus; os livros são impossíveis de serem comprados pela maioria da massa populacional, difíceis de serem adquiridos por uma grande parte e até caros para quem pode comprar. O editor não se pode dar ao luxo de investir em novato; aplica então em alguém consagrado, melhor traduzir e publicar obras que sejam best-sellers estrangeiros, pois é lucro certo. Temos um atavismo, nem todos, por autores de fora;
esta nação priorizou, porque lhe foi imposta, a cultura do faroeste e dos pastelões do cinema americano, no seu rastro as colas, os hambúrgueres e obras literárias, etc. Há muito de venerando em museus europeus, surrupiados de povos massacrados em todas as latitudes do planeta...
Gostei demais de ter lido vc aqui no Miolo; o texto límpido e claro como convém...veja como continuo abusado...rs. Beijo
Posted by Anônimo | 10/8/06 13:55
Dora, quer dizer que é professora de português e francês? Tenho que tomar cuidado! (rs*)
Nunca havia pensado no assunto. Alguns autores brasileiros, fazem sucesso em países latinos da Europa, onde temos maior identificação, como Portugal, França e Italia. Não gosto de comparar. E penso muito menos na nacionalidade dos escritores. Por acaso, leio mais autores estrangeiros do que que brasileiros, a escolha é impensada, sem querer! Beijus
Posted by Luma Rosa | 10/8/06 15:05
Que surpresa tão agradável te encontrar por aqui, Dora. Enquanto te lia me passava pela mente as imagens que descrevias. Imagens formam o livro que paralelamente criamos, enquanto percorremos os olhos por páginas alheias. Se um livro te leva a divagar talvez ele não seja totalmente medíocre.
Fazer sucesso em uma carreira, literária ou não, seja em que país for, depende não só de talento. Pitadas de sorte podem ser fundamentais.
E sorte é o que te desejo pois talento sei que tens.
Carinhos
Posted by Anônimo | 10/8/06 16:26
Dora,
que prazer encontrar um texto seu aquí! Como sempre, claro, limpo, direto. Concordo plenamente com tudo o que disse e confirmo: eu também já lí alguns livros apenas pelos lugares mencionados, pelas situações descritas. O texto, por sí só, talvez não me prendesse a atenção.
Por outro lado, acredito que nos outros países, especialmente nos europeus, seja um pouco mais fácil publicar um livro do que aquí, cuja simples aquisição, muitas vezes parece até impossível, devido ao preço elevado. E também à falta de familiaridade de grande parte (para não usar 'maioria') do povo com a leitura. As editoras acabam priorizando nomes já consagrados, que possam trazer algum retorno financeiro ao investimento feito.
Grande beijo.
Posted by Anônimo | 10/8/06 17:17
Cara amiga Dora (Dorita), o seu artigo está embasado em fundamentos que demonstram claramente que a nossa literatura ainda terá um longo caminho a trilhar, por melhor que seja. Afinal, não tivemos e nem temos uma tradição literária, como europeus e ingleses, mencionados por você. Temos sim, uma herança herdada da Coroa que somente com a vinda da Corte pra cá é que a literatura começou a florescer. Começou! Isto, deve-se ressaltar, florescer quando na Europa já sinalizavam para o Romantismo.
Obrigado, minha querida, por abordar esse assunto tão proposital.
Beijos.
Posted by Anônimo | 10/8/06 22:52
Cara amiga Dora (Dorita), o seu artigo está embasado em fundamentos que demonstram claramente que a nossa literatura ainda terá um longo caminho a trilhar, por melhor que seja. Afinal, não tivemos e nem temos uma tradição literária, como europeus e ingleses, mencionados por você. Temos sim, uma herança herdada da Coroa que somente com a vinda da Corte pra cá é que a literatura começou a florescer. Começou! Isto, deve-se ressaltar, florescer quando na Europa já sinalizavam para o Romantismo.
Obrigado, minha querida, por abordar esse assunto tão proposital.
Beijos.
Posted by Anônimo | 10/8/06 22:52
Oie Dora, tá todo mundo migrando pra cá é? Loba, Dácio, Linaldo, agora você, esse "Pote" vai estoura de tanta "belezura" rsrsrs. Miga que texto heim, confesso que viajei, literalmente falando, rsrs. Uma coisa é certa, ler é fundamental, é uma maneira de despertar para a criatividade, sonhos, conhecimentos, aprendizados, enfim... se for recostada numa rede, (como uma boa paraense que sou) putzz, melhor ainda, rsrsrs. Meus votos são que vc continue sempre nós presenteando com tuas letras, seja aqui ou lá no Colóquio. Beijos, Crys
Posted by Anônimo | 10/8/06 22:53
Oi, Dora.
Oi, Moça.
Li, com bastante atenção a sua colocação, e como tese achei muito, muito bem direcionada. Porém tenho um senão nessa história. As letras desses europeus realmente são facilitadas pelas citações de suas Notre-Dames, de suas bastilhas, seus ônibus de dois andares, seus castelos, seus palácios, suas rainhas vitórias, seus arquiduques e tudo o mais, porém todos esses países estão em desvantagem com as nossas letras, porque nenhum deles tem uma, sequer UMA Dora Vilela.
Nós temos.
Vida longa poetisa.
Eu lhe touxe doces.
Vicente
Posted by Vicente | 10/8/06 23:13
Equipe de Mio de Pote,
Preciso da adesão de vcs na "Proclamas em favor da CPMI das Sanguessugas e em defesa do Gabeira". Esta lá no Aparte. Visitem e me autorizem a incluí-los. Vou encaminha-lo ao Conselho de Ética da Câmara. Grato. Jarbas
Posted by Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde. | 10/8/06 23:30
É Dorita, não é fa´cil ser escritor de um país emergente e que tem como cartão postal o desfile de "bundas" nas praias cariocas! Sorte nossa que ter como grande atributo a criatividade, né?
Adorei o texto. E acha que iadeixar de vir aqui? rs...
Beijocas
Posted by Anônimo | 11/8/06 03:45
Oi, minha linda, demorei, mas apareci. Tenho a impressão que já conheço este texto seu.
Compreendo sua colocação, Dora, a cerca de todo o conteúdo que envolve aquele nascido em berço de mais idade e tradição que o nosso ou outro semelhante. Há toda uma aura em torno do velho mundo. Me encanta esta literatura. Me encanta também a literatura produzida por quem guarda as mesmas memórias geográficas e históricas que as minhas; me conforta a irmandade neste aspecto... em outros, também.
Dora, minha amiga, é sempre muito bom ler suas impressões escritas de forma tão clara e com uma energia que lhe é peculiar.
Um bjuuuu
Posted by Anônimo | 11/8/06 11:36
Que prazer ler você por aqui Dora! Excelente artigo. Na realidade nosso país ainda é jovem, e nossa formação cultural foi direcionada aos clássicos e apreciá-los. Agora com nossa juventude ainda imberbe está se direcionando a ler sobre caras, bocas e bumbuns, sei não...
Como tese seu texto está perfeito!
Beijos
Posted by Anônimo | 11/8/06 15:16
Que linda...
Dorinha, esse lugar só poderia ser teu mesmo...
Escreves tão bem...parabéns pela conquista!
Adoro vc!
Beijos
Posted by Anônimo | 11/8/06 17:06
Olá Dora. Fiquei mesmo triste com teu texto e mais ainda por saber que isso é voz geral. Por sorte fui incentivado a ler autores brasileiros desde a ínfância. Todo meu imaginário está repleto de Guimarães Rosa e os escritores e artistas do Movimento Armorial que , como muitos, muito fizeram por glorificar tudo o que nos constitui. Outro dia um jovem de quinze anos me fez ler seu escrito: um conto pseudo medieval repleto de fadas, duendes e ogros deformados em caricaturas de personagens tipicamente americanos. Obviamente um contágio do cinema comercial. Um exemplo tosco, claro. É triste saber que tantos de nós busquem a literatura estrangeira não por seu conteúdo universal mas simplesmente por ser estrangeira. Deves conhecer a maldição de Malinche. A filha do monarca Asteca que foi dada em sacrifício aos conquistadores tidos como deuses. Antes de morrer ela amaldiçoa as nações índias a que sempre se curvem à cultura estrangeira. É aterrador. Outro dia lí um texto na revista Bravo com o título " O Nome da Rosa", sobre Guimarães Rosa mas sem fazer nenhuma outra referência a Umberto Eco, simplesmente para compará-los, para autorizar Guimarães Rosa como escritor diante da grandiosidade de Umberto Eco ( inegável), como se ele precisasse. Parece que os leitores da Bravo precisam. Triste.
Posted by Unknown | 11/8/06 18:49
Dora !Aqui em PoA,teve repercussão a história criada pelo Sr. Yuri Firmeza, para demonstrar exatamente este problema de valorizarmos mais o q tem fora do Brasil do q a nossa cultura.Para quem não sabe , ou não lembra , Yuri com a ajuda da namorada , e colaboração do Museu de Arte Contemporânea do Ceará ,inventou um artista japonês o qual apresentaria uma nova técnica em fotografia ; inédita! Espalhou a história na mídia , que dedicou bom espaço publicitário para o artista inexistente. Yuri deu pistas "do invento" como por exemplo , o nome do artista:SOUZOUSARETA GEIJUTSUKA.
Em japonês quer dizer "artista inventado".Deu um rolo danado qdo os repórteres descobriram q foram enganados ,por valorizarem demais um artista desconhecido , pelo simples fato de ser estrangeiro. Paro por aqui mas quem quiser saber mais sobre esta história é só dar uma espiada no blog do Sr.Yuri.Eu fui...e deu pra perceber q ele tem idéias bem próprias do q "expor!" no blog dele . Um bj Dora!
Posted by Anônimo | 14/8/06 01:20
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