31 julho, 2006

As ruas que andei - por Linaldo Guedes

Entre a rua Doutor Coelho e a praça João Pessoa repousa meu coração cajazeirense. E um repouso aparentemente singelo, que leva a um mergulho em um tempo onde Cajazeiras ainda pontuava no Estado como a terra da Cultura.
A rua Doutor Coelho é a primeira etapa de uma infância guardada com carinho no coração. Uma infância onde predominavam as brincadeiras nas calçadas, logo após os seriados exibidos pela Rede Globo, numa época em que a emissora dos Marinhos ainda não ditava rumos e modas nesse país. Fazíamos dos cabos de vassoura o suporte ideal para brincar imitando os velhos filmes de faroeste.
Nos finais de semana, a corrida para o Cine Pax assistir aos filmes que estavam em cartaz. Tempos bons aqueles! Quando saíamos do cinema imitando as lutas marciais de Bruce Lee e não queríamos felicidade maior do que aquela! Uma felicidade que, imagino, a atual juventude cajazeirense não tenha, já que se limita a curtir os últimos lançamentos da sétima arte no vídeo-cassete. Alguns, infelizmente, tenho certeza, jamais tiveram o prazer de constatar in loco a magia que é assistir a um filme no próprio cinema, comendo pipoca.
Mas a Doutor Coelho era muito mais do que a expectativa dos filmes, ou as brincadeiras nas calçadas. De um lado, se abria o caminho para o Açude Grande, que já naquela época lavava a roupa de toda Cajazeiras, embora não banhasse quase ninguém. Soube que hoje o açude está remodelado e se transformou na área lazer que a cidade sempre mereceu. O fascínio pelo pôr do sol às margens do açude, começou numa das escapadas pelo braço da Doutor Coelho.
Outra vereda que se abria era a subida para a Camilo de Holanda. Mas ali era proibida a presença de garotinhos imberbes. Diziam que era o caminho do prazer e a gente ouvia as conversas com um misto de excitação e temor. Enquanto isso, olhávamos para o horizonte, para as veredas que levavam ao Ceará. Mas quem queria sair de Cajazeiras naqueles idos?
A Praça João Pessoa já chegou na pós-adolescência. Também de lá, se podia ter o privilégio de chegar ao Açude Grande, mas as noites do pós-adolescente não comportavam tais mergulhos traquinas.
Por isso, a Praça João Pessoa tinha outras mil e uma utilidades. Era o caminho mais rápido de acesso ao Tênis Clube. O velho Tênis Clubes, com seus shows e festas que varavam as madrugadas, em trilhas sonoras já incentivadas na Patamuté durante os dias que antecediam as festas por nomes como Lúcio Vilar e Maxwel. Trilhas sonoras que iam dos Pholas e Trepidantes (quantos e quantos shows do Trepidantes não lotaram o Tênis) ao moderno axé baiano de Luís Caldas e outros contemporâneos.
Praça João Pessoa que depois serviria de ponte também para o Xamegão, a bela festa sãojoanina cajazeirense. Impossível não lembrar de Chico Amaro afinando a sanfona e esquentando o público para as principais atrações do evento. Ou mesmo bandas que não tinham nada de forró, como o Apocalipse, mostrando o ecletismo e a força sempre marcante da cultura na Terra do Padre Rolim.
Ah, a praça João Pessoa, com seus bancos e bares! Descanso para os corações enamorados? Qual o que! Quem queria descanso naqueles tempos do Bar FM? A energia da juventude não dava para ser desperdiçada assim, sentada num banco da praça.
Nas madrugadas, podia-se criar outra ponte entre a praça João Pessoa e a Doutor Coelho. Mas aí o cronista já tinha descoberto novos caminhos, novos becos e avenidas cajazeirenses. Agora, o caminho é para o alto. Melhor dizendo: para o Alto Belo Horizonte, o atalho mais fácil e divertido, no meio daquela gente simples, para o caminho do saber, para o campus universitário e o primeiro alumbramento com a literatura. Pelas mãos da professora Elionita de Sá, a paixão pelas letras se intensificou, ao descobrir a poesia de João Cabral, Carlos Drummond de Andrade e dos poetas portugueses. Ai já era hora de alçar vôo, para onde o verso e a prosa soprassem. Era hora de escrever novas linhas no destino. Quem sabe no litoral?

Linaldo Guedes é jornalista e poeta paraibano, eventual colaborador do Miolo.

27 julho, 2006

Miolos - Por Dácio Jaegger



Tem tempo. mas não muito! Não conto no relógio, no calendário ou na folhinha. Conto no miolo da cabeça, não no de pote que isto é besteira, segundo o que tenho guardado de passagens pela net e que é linguagem de cearense, será? Achei num “dicionarim” que dizia ele, lá com ele mesmo e pra qualquer um: “miolo de pote” significa bobagem, besteira, “água”. Veio-me à mente dos vários usos de miolos, seja de gente ou de animais; estes servindo-se quando possível dos tecidos crus quando podem penetrar dentro de crânios, mister de larvas, formigas, besouros e outros. Mamíferos carnívoros ou aves tais, não podem rachar, penetrar nos crânios, não se dão ao requinte da degustação dos cérebros isoladamente, salvo os das pequenas vítimas, aí, de mistura com pêlos, penas, olhos e mais. Não sinta nojo, amiga! A vida tem sido assim.
Miolo de porco, vaca (mesmo que seja boi), cavalos, carneiros, cabras, são iguarias disputadas por este mundo, desde fogão de terreiro até restaurantes de qualidade. São comidos os miolos, tanto nas boas casas como nas de beira de estrada, temperados com ervas aromáticas, pimentas e bebidas alcoólicas, pelo simples prazer ou como afrodisíacos e haja cérebros.
Em romances e filmes macabros mortos-vivos são apresentados como comedores de cérebros. Dão-nos conta historiadores, que silvícolas brasileiros, já sabedores de que o espírito morava dentro da cabeça dos índios, quando um inimigo era trucidado, um bom e grosso tacape rachava seu “coco” como se fazia e ainda hoje fazemos ao estilhaçar um legítimo coco da Bahia, ou um anão para nos deliciarmos com seu miolo, aproveitada a água antes.
No livro ‘Os mestres Secretos do Tempo de J Berrier’, diz um Prof Homet que: “Numa cerâmica (do povo Chimus, do litoral do Peru, aparentado com os Maias) há grafado um homem com a boca cheia de folhas (coca?), parece adormecido. Seu crânio está raspado e mostra um orifício circular. Ao seu lado junto à cabeça, outro homem tem uma faca em forma de T ligeiramente curvo.”
Como foram descobertos crânios que foram trepanados por um formato laminar curvilíneo, com sinais de crescimento de tecido ósseo, deduz-se nitidamente que foram operados em vida. Não existir um prontuário dos donos dos crânios leva pesquisadores ao “achismo”; pensam em operações neurológicas avançadas para cura de tumores, coágulos, hidrocefalia, arre! Até uma proteína, Príor, “resolveu” criar a doença da vaca louca, criando esponjosidade nos cérebros bovinos, principalmente na Inglaterra, depois do sucesso comercial de aproveitar carcaças de animais para fornecer àqueles herbívoros aminoácidos que sempre encontraram nos vegetais. Mau aproveitamento da máxima de Pasteur.

Dácio Jaegger, fluminense, brasileiro médico cirurgião plástico

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19 julho, 2006

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Quinta-feira, 27 de julho de 2006

13 julho, 2006

Crônica de Artur da Távola

Belíssima no papo de Boteco
E lá estava a macharia, minha amiga, aqueles coroas que sempre repetem essa mentirinha: “Eu não vejo novelas, mas estava passando pela sala e minha mulher é louca por elas, às vezes dou uma espiada” (mas sabem a novela de cabo a rabo):
1) Mario Porto foi logo dizendo “Que final de novela mais chocho e pouco edificante! Tudo óbvio, sem graça e corolário à ‘Lei de Gerson’. Todo mundo se deu bem, inclusive, e principalmente, a vilã... E a Júlia e o Nikos, que casal mais sem graça!”
2) Eu, noveleiro confesso, provoco com algo que realmente penso: “Mas você deve aceitar que o autor fez uma inovação desafiadora: ela não acabou com o clássico Final Feliz para todos. É preciso coragem.”
3) Fernando Dinamite: “Coragem é o escambau. No Brasil de hoje, dar o exemplo do mal como vencedor é deseducar ainda mais o Brasil.”
4) Ronaldo Teixeira: “E não é isso que acontece, cara? No Brasil de hoje, é assim mesmo. Não vê o Lula? Nenhum escândalo o atingiu, e ele sabia de tudo. Quase nenhum dos mensaleiros foi punido, e os detentos é que mandam nos presídios. Como é que você queria que a novela fosse só evasão? Tá doido?”
5) Paulo Alberto: “Como eu gosto do lado positivo do mundo, lembro à galera a qualidade daquele elenco. Pô, só tinha craque. Até o Gianecchini aprendeu a representar. Nem dá para destacar alguém. Todos deram o seu show de interpretação.”
6) Belisário, o puxa-saco: “E vamos convir que o autor soube manter o suspense até o final. Isso é craqueza.”
7) Marco Antonio Gay (o Gay dele é sobrenome. Nada contra, mas ele é a antítese do sobrenome.): “Craqueza, uma ova! A prática da inverossimilhança existente nas novelas deixa o autor livre para fazer o que bem entende com a estória, em vez de seguir o fio lógico e impecável dos romances policiais de qualidade e geniais. Mesmo sendo folhetim eletrônico, a estória precisa de alguma lógica e menos coincidências.”
8) Antonio Carlos China: “Para mim, o grande erro foi deixar todas as soluções para o capítulo final. Este deveria ser reservado apenas para a questão central da obra.”
9) Eu: “Estou impressionado com a inteligência de vocês. Quase nunca viram a novela e sabem tudo isso. Formidável! Eu sou noveleiro confesso, mas vocês... E se pudesse dava um beijinho na testa daquela menininha linda que fez a Sabrina. E ainda a convidava para se casar com o meu neto. Que talento!
(vaias) (vaias) (“puxa-saco é você”... piegas) (mais debiques daquele grupinho que “não vê” novelas...)

Publicada em 11/07/06
Casa de Cultura Artur da Tavola

06 julho, 2006


Urinando com Jim Morrison
Pablo Capistrano



O cinema é extraordinário. Se você não se vacina contra ele, pode escrever, vai ser arrebatado e domado por sua força. O que o cinema tem de fascinante tem também de perigoso. Essa capacidade extraordinária de dissolver as fronteiras e engolir o real.
Vez ou outra me pego reclamando da vida e digo a mim mesmo: o que falta nesta bosta é a trilha sonora. Coisas de quem cresceu assistindo filmes. Quando se tem dezesseis anos, aí a situação complica. Lembro que no ano da graça de 1991 esperei como um viciado em crise de abstinência a estréia do filme The Doors, de Oliver Stone. Falava sobre um de meus ídolos de adolescência. Jim Morrison era filho de um militar da Flórida que foi estudar cinema na UCLA, tomou uns dois ácidos e ficou pirado. Resolveu formar uma banda de rock com uns colegas da faculdade, virou símbolo sexual, e entrou para a mitologia do rock por morrer de forma estúpida, gordo e decadente após uma overdose de heroína numa banheira de um hotel em Paris.
O nome da banda (Doors) vem de um livro de Huxley, As portas da percepção, e de um verso de Willian Blake (quando as portas da percepção estiverem abertas, o homem verá o mundo tal qual é: infinito). Lembro de ter assistido o filme numa noite de sexta feira, no finado cine Rio Verde no centro de Natal. Foi como se o Oliver Stone tivesse dito para mim: veja que vida cocô você tem! Sair do cinema querendo fugir de Natal a toda velocidade. Queria romper as fronteiras, as portas, os portões, abrir todas as janelas, me lançar selvagemente no mundo e, com um pouco de sorte, morrer jovem de um modo mitológico. Também senti vontade de escrever poesia. Na verdade a única coisa que eu consegui naquela noite foi ficar sem dormir, lamentando o fato de ter nascido numa província no fiofó do planeta, distante dos locais nos quais a vida e a história produziam seus desdobramentos. A adolescência passou, o tédio morreu no relógio de ponto da vida adulta e a ansiedade pela abertura das portas da percepção também escorreu junto com a mulditão de livros de filosofia que eu andei lendo. Mas ficou a imagem de Morrison, rei lagarto, xamã, metido numa calça preta dançando em êxtase para o delírio da tribo.
Dias desses, entrei numa livraria e comprei Matem-me por favor: a história sem censura do Punk, volumes I e II. Escrito por Gillian McCain e Legs McNell, o livro é uma coletânea de depoimentos das personalidades da música dos anos sessenta e setenta. Gente como Lou Reed, Iggy Pop e Joey Ramone. No meio do livro li um depoimento de Ronnie Cutrone, pintor, ex-assistente de estúdio de Andy Warhol. Ele dizia o seguinte sobre Morrison: “Eu amava Jim Morrison ternamente, mas não era divertido sair com Jim. Andei com eles todas as noites por quase um ano, e Jim saía, se encostava num bar, pedia oito vodcas com suco de laranja, tomava dois Tuinals, então tinha que mijar, mas não podia deixar os outros drinques, então tirava o pênis para fora e mijava, e aparecia alguma garota para fazer sexo oral com ele, e então ele terminava as outras cinco vodcas com suco de laranja e matava outros quatro Tuinals, e então mijava nas calças”. Depois que li isso cheguei mesmo a odiar Oliver Stone. Sentindo-me um idiota por ter confundido de modo tão miseravelmente ingênuo o cinema com a realidade. Mas depois até que pensei melhor e relevei a mágoa, afinal, esse é o jogo da arte: pintar a vida com cores que, na maioria das vezes, ela não tem. Além do que, como dizia o bom e velho Blake, nunca é bom se esquecer que, nas situações de risco, a raposa culpa sempre a armadilha e jamais a si mesma.

Pablo Capistrano é escritor e professor de filosofia.
pcapistrano@hotmail.com

Foto: Jim Morrisson Portrait - www.sternwelten.at