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Javé, Jesus e Alá




Pablo Capistrano
www.pablocapistrano.com.br

A idéia mais comum e recorrente que temos sobre a natureza das três grandes religiões monoteístas é de que todas elas, cada uma a sua maneira, cultua de um modo distinto um mesmo Deus. Esse parece ser um ponto tão consensual que pouca gente pensa: “se cultuam um mesmo Deus, qual o motivo dessas disputas sangrentas no decorrer de tantos séculos envolvendo cristãos, judeus e mulçumanos?”.
Essa é uma questão inquietante e, na maioria dos casos, quem pensa nela se depara com uma estranha sensação de absurdo. Há uma explicação político social que pode ser aplicada ao problema e que levanta a hipótese de que o cerne dos conflitos que se estabeleceram no decorrer dos séculos entre esses três ramos da árvore de Abraão não é de cunho teológico, mas eminentemente político e econômico. Neste sentido, teriamos um mesmo Deus para interesses completamente distintos. Rotas comerciais, domínio estratégico do mediterrâneo, controle dos poços de petróleo e das nascentes de água do Jordão. Indícios muito mais mundanos de um conflito que passa longe de qualquer dogma religioso. Essa explicação, no entanto, tem um risco. Primeiro, ela contorna o problema e não explica realmente como um mesmo Deus pode instigar tanta discórdia; depois, ela, sutilmente, desmerece a força dos dogmas religiosos na construção da psicologia dos povos.
Pode ser realmente correto imaginar que o motivo fundamental do ódio contra os judeus no meio da comunidade cristã tenha se espalhado no final da idade média, motivado pela expressão de um conflito envolvendo a atividade mercantil e financeira da classe burguesa ascendente e os interesses da aristocracia feudal européia. Mas uma visão dessa natureza não é suficiente para explicar a violência da guerra da reconquista espanhola, nem explicar o massacre de Lisboa no começo do século XVI que forçou a passagem de muitas famílias sefaraditas para o nordeste brasileiro. O ódio que jogou cristãos contra judeus no fim da idade média e que produziu a Inquisição Ibérica, deve muito ao evangelho de João e sua interpretação anti-semita da morte de Jesus assim como ao ressentimento das interpretações escolásticas terem reduzido a Torah a um apêndice do Novo Testamento. Não há como negar que, se o aspecto teológico não é suficiente para explicar todos esses conflitos ele é, ao menos, necessário.
Da mesma maneira, que não há como explicar o conflito árabe-isrraelense (por si só essa expressão já denota um certo conteúdo ideológico, tendo em vista que, do mesmo modo que existem judeus árabes, existem mulçumanos que não são de modo algum árabes) apelando apenas para justificativas econômicas e geo-políticas, posto que algumas das raízes desse conflito residem em interpretações teológicas específicas do significado das escrituras sagradas, que se entranham no imaginário popular e no corpo doutrinário de setores ortodoxos dessas religiões, muitas vezes, dificultando o diálogo.
Uma interpretação pouco ecumênica é a defendida por Harold Bloom no livro “Jesus e Javé”. Como Bloom não é Teólogo, mas crítico literário, e procura enxergar as escrituras sob a ótica de seu texto e das implicações semânticas do que está escrito nele, enxerga de um modo não muito ortodoxo a questão do monoteísmo que surge a partir de Abraão. Para Bloom está claro: Javé, o Deus cristão (Pai-Filho-Espirito-Santo) e Alá não são o mesmo Deus. A dificuldade de estabelecer uma conexão dogmática entre essas três grandes tradições reside justamente no fato de que elas não falam a mesma língua teológica e as influências culturais na composição das doutrinas religiosas são tão diversas que acabam por construir interpretações completamente diferentes acerca da face deste suposto mesmo Deus único. A idéia da unicidade de Deus, que eclodiu no Egito num primeiro momento e depois foi arquitetada pelo povo de Israel, não parece ter conseguido resolver um dos maiores problemas humanos: a incapacidade que temos de lidar com as diferenças.
Pablo Capistrano é escritor e professor de Filosofia. Escreve às segundas no Miolo de Pote.

É quando eu páro e penso: eu sou um cerumano, racional - isso é bom, né?

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