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A companhia das coisas - por Adelaide Amorim


Durante alguns anos de minha vida, pensei que um dia seria dona de uma loja de presentes, desses que a gente gosta de ganhar e de dar para fazer felizes aqueles que amamos. Sou louca por objetos, coisas ditas inanimadas mas capazes de animar as pessoas e fazer seus olhos brilharem. Para isso, um objeto não precisa ser necessariamente valioso e caro. Tenho caixinhas e descansos de mesa feitos de palha, porta-guardanapos de madeira e simples tigelas de uso diário que amo pelo desenho e pelo material de que são feitos. Uma vez fiquei siderada diante de uma molheira e não consegui seguir meu caminho antes de entrar na loja e levar para casa meu presente.
Muitas mulheres correm a mudar a cor dos cabelos ou comprar roupas e sapatos quando estão tristes ou decepcionadas. Eu compro coisas, antes de qualquer outra providência. Também recorro ao cabeleireiro, é claro, mas nunca pintei os cabelos, de modo que faço um novo corte, uma boa massagem; às vezes vou procurar uma roupa nova – esses recursos que a gente tem, graças a Deus, pra mudar o exterior quando o interior está pouco convidativo. Mas antes passo nas lojas de decoração e trago de lá um cinzeiro original, um vaso bonito, um porta-retrato diferente. Tenho uma pequena coleção de caixinhas, adoro luminárias bonitas e estantes, que nunca são demais para os livros que chegam e sempre estão precisando delas. Mas há as almofadas e as mantas, quer coisa mais gostosa de escolher e ver em casa?
Meu pai tinha tinteiros de vidro que não sei onde foram parar, canetas de pena que ele molhava nos ditos, pesos de papel de cristal que me faziam sonhar e um mata-borrão que eu adorava vê-lo manejar sobre o papel de tinta fresca, além da caneta-tinteiro, uma Parker preta listradinha de cinza que nunca esqueci. Guardei dele as sobrecapas de couro para proteger os livros, mas ficaram muito gastas e acabaram guardadas como relíquias.
Quando compro ou ganho algum objeto, experimento seu convívio como quem avalia um vizinho novo. Deixo-o num lugar em que eu o veja a toda hora até que se integre ao dia-a-dia. Paro de vez em quando para conhecer melhor a novidade; examino, pego e invento novos lugares para pousá-lo até que se harmonize com a paisagem e o clima da casa. Quando isso acontece, saio procurando seu lugar definitivo. É a prova de fogo, depois da qual quase sempre o estranho vira membro da família, parte do patrimônio da casa e objeto de afeto e cuidados especiais.
Estranho? Nem tanto. Ao menos essa ligação com as coisas não chega a incomodar ninguém e me dá algumas alegriazinhas inocentes. Há coisas piores – fetiches que às vezes chegam a ser repulsivos, gostos que ninguém explica, manias que incomodam bem mais quem estiver em volta.
Adelaide Amorim é escritora, carioca por nascimento e convicção e publica seus escritos no Blog Umbigo do Sonho - http://www.meublog.net/adelaideamorim/

Adelaide! Isso é comum às mulheres? Eu me pergunto, porque adoro essa "mania" de comprar "coisinhas"( como meu marido fala). Igulzinho ao que vc descreveu!! Objetos diferentes, meio bizarros, de formatos pouco comuns, decorativos, feitos com materiais insólitos...Lojinhas de souvenirs são um reino encantado, colorido. Elas são cheias de artefatos que, prá falar a verdade, não servem prá nada, mas enchem meus olhos e me criam emoção. Caixinhas, porta-qualquer coisa, paninhos para não sei o quê...rs Enfim. Acho que essa alegria que a gente sente está ligada à criatividade do homem, que transforma a natureza e faz dela objetos "outros"...Penso que o encanto maior é esse: contemplar a natureza, "transformada" pelas mãos do homem...Ah! Sei lá...Não analisei ainda...rs
Amei o que escreveu!!!!!!!
Beijos!
Dora

É mesmo um traço muito feminino das pessoas, Dora. Mas conheço homens (poucos e heteros) que são assim também. Bom demais, não? Beijo.

Adelaide, Vivam as caixinhas, dessas que não chegam a acomodar nem dois pares de brinco, ou aquelas que levam o sonho a um volume inesperado As caixinhas recortadas, floridas, tracejadas, de todo jeito são lindas Esses objetos é que não consigo me desvencilhar deles, quando chegam por minhas mãos, é grave E qdo vêm de presente, mais grave ainda Portanto estou somente te parabenizando pela coluna, o feminino retratado de maneira graciosa Abraços, amiga

Que gostoso ler tua crônica! Tanto quanto ler o livro "O nome das coisas" cujo autor não me lembro mais pois não tenho mais o livro. Imagino o prazer que deve ser visitar tua casa, e a loucura que é tua visita a um artesanato de muita variedade, como tem aqui em João Pessoa. Meu beijo.

Ando sem tempo e a fugir
Mas vim desejar-te
Um dia a sorrir...

Beijos e bom fim de semana

Adelaide,

gostei muito desta crônica, escrita com tanto refinamento que me orgulharia em recebê-la em minha loja de presentes e artigos para decoração, mesmo não comprando absolutamente nada. Apenas pelo meu prazer egoísta de ter lá uma pessoa que escreve como você.

Um abraço carinhoso.

Ceci, que bom que você partilha desse interesse por objetos sedutores. É um prazer que nem todo mundo pode fruir. Beijo e obrigada pelo comentário.

Você acertou, Jota: é mesmo uma loucura entrar numa loja dessas. E amo o artesanato de sua terra. Beijo.

Obrigada, Nadir, e um beijo.

Zeca, é só dar o endereço. ;) Beijo e obrigada.

Todos dizem Adelaide que é legal e é mesmo esta forma de atuar com as coisas, principalmente essas como vc relata, do universo feminino. Imagina agora quando um casal ao comprar uma casa centenária de fazenda, simples, sem rebuscamento e pelada que nem ela só a vai reformando aos poucos, buscando sua originalidade; sem compromisso urgente passa anos equipando-a com móveis e utensílios adequados, de um modo geral objetos de pessoas simples idealizados para a época dos anos trinta, muitos advindos dos pais do casal. Visita--se e utiliza-se a casa como se vivessem naqueles tempos, até a comida é de época...(nem sempre)./Beijos

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